A Lava-jato morreu. Alguém vai chorar no velório?

“No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte” (Nelson Rodrigues).

Há uma historinha muito antiga sobre a criação de teorias e hipóteses que volta e meia gosto de contar em sala de aula.

A cena é a seguinte; você está no mato, vê um pássaro voando, depois um caçador apontando uma arma para o pássaro, ouve o barulho do tiro e o bichinho cai morto. Qual a sua conclusão? Que o caçador matou o pássaro? Você pode afirmar isto com 100% de certeza? A resposta é não, exceto se você conseguiu filmar com uma câmera capaz de acompanhar a trajetória da bala. Ou após um médico legista examinar o cadáver do pássaro (desde que você confie no laudo dele, é claro). A conclusão final é; sempre haverá teorias conspiratórias, por mais que você esfregue os fatos na cara das pessoas. O terraplanismo é um bom exemplo disto, o criacionismo também.

Opostos unidos pelo mesmo ideal; a impunidade

Para usar a linguagem das redes antissociais, a Lava-jato foi cancelada. Isto aconteceu graças ao esforço conjunto de todas as forças que representam a vanguarda do atraso neste país, numa frente ampla que incluiu até os aparentemente irreconciliáveis Lulistas e Bolsonaristas – que, na verdade, representam as duas metades de uma mesma laranja podre. E demonstram isto no desprezo total que nutrem pelas instituições e na agressividade e grosseria com que agem na hora de defender os respectivos bandidos de estimação. Cada um tentando impor a verdade que lhe é mais conveniente, assim como no caso do caçador.

A versão dos Lulistas; o caçador nem atirou

Os Lulistas foram os primeiros a atacar, criando a narrativa que a Lava-jato nunca foi nada além de uma farsa armada para tirar o invencível barbudo de Garanhuns das eleições de 2018, que ele ganharia com um pé nas costas. Para acreditar nesta teoria é necessário negar todos os evidentes e comprovados escândalos de corrupção dos 13 anos de PT – desde o Petrolão até os estádios da Copa – e também acreditar que todo os níveis do Poder Judiciário do Brasil estariam envolvidos na trama, já que Lula e seus amiguinhos foram condenados em várias instâncias, por diversos juízes e cortes espalhadas por todo o País. Ou então acreditar que tudo isto aconteceu à revelia de Lula, que estava muito ocupado salvando o Brasil e nunca viu nada do que acontecia em todos os escalões do seu governo. Comparando com o caso do pássaro, seria algo como dizer que não houve tiro e o pássaro morreu de doenças pré-existentes. Enfim… cada um acredita no que quiser.

A versão dos Bolsonaristas; o meu safado roubou menos do que o seu

Os bolsonaristas romperam com Moro quando ele decidiu que ia jogar duro com os escândalos evidentes patrocinados pelos descendentes do Mito – e que, obviamente, respingavam no orgulhoso papai. Claro, esta é a minha visão dos fatos. O engraçado é que nenhum dos porta-vozes do bolsonarismo, sejam humanos ou robóticos, se preocupa em negar estes escândalos; apenas dizem que “os do PT eram infinitamente maiores”. Realmente, em termos de valor monetário não há como comparar o cheque de 89 mil do Queiroz para a Michelle com os bilhões do COMPERJ, por exemplo, mas é necessário admitir que o PT teve 13 anos para armar seu esquema, enquanto  Bolsonaro e sua turma estão apenas começando. Voltando ao exemplo do pássaro, os bolsonaristas não negam o assassinato, mas dizem que o nosso caçador usou uma espingarda de chumbinho, enquanto o PT deu tiros de canhão, portanto são crimes diferentes. Então tá.

O país que não quer ser adulto

O resumo da ópera é que, mais uma vez na história do Brasil, a justiça não conseguiu vencer o lobby dos poderosos. A Lava-jato fez o que se espera que o poder judiciário faça em qualquer lugar civilizado do mundo; investigou, juntou provas, acusou, deu o direito de defesa, julgou e prendeu, quando foi o caso. Só que, pelo jeito, o Brasil ainda não está preparado para isto; cadeia aqui continua sendo só para “pobre, preto e puta”, conforme já dizia o grande Ulysses Guimarães há décadas. Nosso compositor-cantor-escritor e filósofo ocasional Lobão acertou em cheio quando se referiu ao Brasil como “a Terra do Nunca”; somos o país de Peter Pan, da infância eterna. O Brasil é o país do futuro desde sempre, mas ainda não chegamos nem na adolescência.  Aqui continua valendo o lema; Canalhas, unidos, jamais serão vencidos!

Enfim, conforme disse o excelente poeta Belchior (em outro contexto, é claro), “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. O caçador pode continuar matando os passarinhos, que, dependendo do cargo que ocupe e/ou do dinheiro que tenha, sempre vai se dar um jeito de dizer que não foi bem assim. Desde Nélson Rodrigues. Desde Ulysses Guimarães.

Até quando?

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