Londres – o cruzamento da Ipiranga com a São João do mundo?

Muitas cidades do mundo mereciam esse título. Mas, certamente, Londres estaria nas Top 3 se ele significar agitação, mistura étnica, cores e sabores, tudo junto e misturado. Vou te contar nesse post porque acho isso. Eu vivo em Londres só há 5 anos, mas me pediram para passar por aqui de vez em quando e contar como é viver por essas bandas. Já aviso que, sendo uma brasileira apaixonada pelo Brasil, não faço o tipo que ama o estrangeiro e malha nosso país. Espere algum “Banzo” e muita torcida por todos nós, sempre.

Você verá que, às vezes, essa aventura acontece “COM GLAMOUR” e, outras vezes, “SEM GLAMOUR” algum. Vou começar contando a minha aventura até agora, em coisas simples e por um tema importante que é a primeira coisa que salta aos olhos quando você “salta” do avião: a DIVERSIDADE CULTURAL.   

O fato: Uma salada de culturas

Chinatown

A verdade é que você se sente na “esquina” do mundo. Parece mesmo o entroncamento mundial  da São João com a Ipiranga, onde todos os países se misturam. Outro dia pus um vídeo no meu Instagram que era mais ou menos assim: num restaurante italiano, cujo dono é um português (daí o nome – Manuel’s) situado no coração de um bairro 99% inglês, estava dançando uma animada coreana (ou japonesa?), com o marido inglês observando, ao som de um jazz americano tocado por ingleses. A ela se juntou um paquistanês. Dois brasileiros observando…

É importante se lembrar que Londres não é a Inglaterra no quesito diversidade. É um bicho diferente. Londres é o lugar com menos brancos ingleses da Inglaterra (44% no censo de 2011 comparado, por exemplo, com a região Noroeste da Inglaterra que tinha 94%). 37% dos habitantes de Londres nasceram fora da Inglaterra, fora os descendentes. São imigrantes de primeira geração.  Isso é, de longe,  um dos percentuais mais altos do mundo, similar a NY e contra 1% de São Paulo.  

Se você se sente fora do Brasil quando pisa na Liberdade. Imagine você pisar num solo todos os dias que é literalmente, país algum e todos ao mesmo tempo. Isso é Londres. Espero que não mude muito com o Brexit. Veremos… Aliás Londres votou por ficar na União Européia mas foi voto vencido. As estrelas da bandeirinha azul não brilharão mais por aqui, após 48 anos de União…

Manifestação contra o Brexit

Descobertas da chegada

Um olhar sobre o cotidiano

A “beleza”, “a dor e a alegria” que a diversidade opera se dá mesmo no dia-a-dia, na hora que você sente a língua arder no take away “sem pimenta” que você pediu. Ou quando você dá um fora apertando a mão de alguém de uma cultura que não pode tocar ou, positivamente, quando você ainda se surpreende ao ver um cadeirante acessando facilmente a plataforma do ônibus. E a diversidade segue se apresentando e surpreendendo na escola, no trabalho, na rua e até em casa!

O curry indiano – o campeão do delivery ao invés da pizza
Os uniformes são mesmo iguais ao do Harry Potter.

3 vantagens desse mergulho na diversidade londrina

E aí, no quesito cultura e diversidade, como eu resumiria em 3 as vantagens de se viver em uma sociedade multicultural como Londres? Não, definitivamente não é aprimorar o inglês. Tem outras vantagens não tão óbvias.

Churchill War Rooms

1. Olhar mais pro mundo… e pular “prá dentro da História” Primeiro, a vantagem de sair do umbigo e perceber que o mundo não gira em torno do Brasil. Você muda seu centro de gravidade. Você começa a viver mais de perto temas atuais como terrorismo, refugiados e também da história. Eu amo História e essa para mim é de longe uma vantagem sem igual. Sem a pressa do turismo, você começa a achar lugares especiais. O Churchill War Rooms, um pequeno museu subterrâneo, por exemplo. É de onde o Churchill comandou a guerra e que considero parada obrigatória em Londres.

Mas você também começa a ter tempo para ir um pouco mais longe. Por exemplo, ao Bletchley Park, que fica a menos de uma hora de trem, e onde foi a base aliada de inteligência para se quebrar os códigos nazistas. Dizem que o trabalho lá abreviou a guerra em 2 anos. Esse é o tema do ótimo filme “Jogo da Imitação“, que conta essa historia e do Alan Turing, o matemático que liderou isso. No museu, você vê de perto as máquinas e onde tudo aconteceu.

Além disso, prá quem teve a sorte de estar por aqui em idade escolar, as escolas tem como obrigatório estudar a história “in locus”. A Bia, na sexta série, aprendeu sobre o Dia D na própria praia da Normandia.

Finalmente, ainda no tema ” sair do próprio umbigo” tem outra vantagem. Eu, que sofro com as noticias do Brasil, comecei a contrabalançar e olhar com mais atenção a parte de noticias internacionais do jornal. Embora mudar prá sessão internacional do jornal não resolva o problema do Brasil, vira um recurso psicológico para diminuir o sofrimento (egoísticamente, o meu). Aqui em Londres eles realmente olham para as notícias do mundo em patamar de igualdade com as nacionais. A escola da Bia, por exemplo, transmitiu em tempo real a apuração das eleições americanas e ela discutia a evolução por Estado como a gente, de igual prá igual.

2. Criar as crianças com um olhar mais tolerante, aberto e com mais independência Para as crianças, tem uma outra uma enorme diferença essa mudança de eixo cultural.  Ela pode atacar o preconceito na raiz, que nem nasce como acreditava a bióloga e psicóloga Dra. Doris Allen, que fundou o CISV – uma organização de intercâmbio cultural que tem presença no Brasil – e que entende que o preconceito se enraiza a partir dos 11 anos. O Rafa fez parte desse programa (recomendo) e veio prá cá aos 16. A Bia já cresceu por aqui. Não sei se essa teoria é verdade, mas torço para que essas experiências tenham contribuído para que para que eles sejam adultos genuinamente tolerantes. Além disso, no capítulo casa, também cultural de alguma forma, elas aprendem a se virar. Não tem outra alternativa a não ser tornar-se independente nesse mundo sem paparicação.

3. Mergulhar nas Artes Para quem gosta de artes, isso sim é uma “Disneylândia”. Eu embarquei na maratona dos “1001 quadros para se ver antes de morrer”, montei uma planilha e percebi que comecei no lugar certo… (posso compartilhar com quem se interessar, basta me escrever…). A maior concentração dessas obras em um só país é aqui no Reino Unido, com 23%, seguida pelos EUA (17%), Itália e França (11-12% cada). O Brasil tem 0.5% dessa lista de obras… 🙁 Para quem quer entrar nessa corrida, sugiro fortemente começar por um endereço – National Gallery e depois passar pro Tate. Você já crava quase uns 10% de partida!

E minha maior dica aqui no tema artes/cultura é, chegando no aeroporto, passou a imigração, avance na banca de jornal e pegue a primeira Time Out que encontrar (revista com a programação da semana que sai toda quarta e é de graça).  Tem tudo lá… Se você quiser ficar no estilo Broadway (região dos teatros no centro), fique à vontade. Mas, o mais interessante, ao meu ver, é a riqueza de eventos menos padrão  “USA”. Eu gosto mais das letras pequenas, das manifestações mais underground, dos mercados – ah, os mercados… O Covent Garden com seus artistas de ruas é especialmente bonito ou o de Notting Hill (foto das casinhas abaixo – aliás se você gosta de arquitetura e, como eu, viaja nas portas coloridas de Londres a matéria desse blog do link é um colírio).

Notting Hill – Londres

Então… Clique no link da Time Out aí embaixo e se estiver interessado (a) comece a planejar o dia que vai estar frente a frente com esse pedacinho de papel que reflete tão fielmente a alma de Londres  https://www.timeout.com/london.!

A capa da Time Out dessa semana (site)

Uma dica final, mas essa sobre Brasil. Se não planeja atravessar o Atlântico tão cedo, nesse mundo da cultura temos muito também. Mapeie os museus do Brasil e comece a treinar as pernas. Um almoço no restaurante do MASP depois de visitar a coleção permanente, uma esticada no Museu de Arte Contemporânea em Niterói ou o espetacular museu a céu aberto de Inhotim – não existe nada igual no mundo. Ou então, curta a arquitetura de Ouro Preto, Brasília ou de Olinda. O Brasil é muito mais que essa lista dos 1001 que certamente foi feita com um “Q” de colonialismo cultural.  O Brasil é lindo e é arte pura!
Quando estiver com as pernas fortes e o mundo, “reaberto” prá visitação, te espero em Londres!

Próximos capítulos…

No próximo post sobre Londres, arriscarei-me a abordar a questão das políticas públicas e como é viver num país em que elas quase sempre funcionam. Depois, falarei de turismo, de mercados legais, de jardins lindos, de política daqui e muito mais. À pedidos, vou também incluir uma “incursão” especial nos pubs londrinos, assim que reabrirem.

Londres é especial e, apesar da minha saudade do Brasil, eu vou tentar apresentá-la prá vocês com muita alegria. E espero nunca me cansar, nem cansar vocês. Como diz o escritor Samuel Johnson, “o homem que está cansado de Londres, está cansado da vida”. Não nos cansaremos tão cedo.

Para você, para sua família, para todos nós, um 2021 bem lindo e iluminado como a decoração de Natal do Kew Garden (foto).

O Kew Garden decorado para o Natal. O programa que mais espero no ano (nesse, infelizmente, foi cancelado…)

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