VAR, um caso de amor e ódio

A tecnologia veio para auxiliar, mas no Brasil é usada exageradamente e transforma um jogo de futebol numa interminável conferência de lances.

A primeira vez que acompanhei uma tecnologia de imagens em um jogo de futebol foi na Copa de 86.

Na estreia do Brasil, contra a Espanha, o meia espanhol Michel acertou belo chute de fora da área. A bola bateu no travessão, no gramado e foi para o lado de fora do gol.

O “tira teima” da Rede Globo, tecnologia similar ao hoje VAR, paralisou a imagem e mostrou que a bola entrou no gol por 20 cm.

O árbitro não assinalou o gol e nossa seleção venceu por 1 a 0.

Lances como esse foram dando voz aos injustiçados do futebol.

A Inglaterra teve gol não assinalado na Copa de 2006 contra a Alemanha em lance semelhante ao de 20 anos antes, em um chute de Lampard.

A discussão ganhou terreno e a FIFA adotou uma tecnologia em que um sinal é emitido quando a bola ultrapassa a linha do gol e informa ao árbitro da partida.

Mas erros grosseiros continuaram a atormentar os homens do apito.

Finalmente, o VAR entrou em cena, e já na última Copa, demonstrou que poderia ir do céu ao inferno, com seu uso exagerado e critérios ambíguos.

Muitos, como eu, até hoje, tem “certeza” de que Gabriel Jesus sofreu pênalti contra a Bélgica e que a Croácia foi prejudicada na final.

Se na Copa já alertávamos do uso exagerado e demorado da tecnologia e em lances por demais interpretativos, agora o sistema vai transformando os jogos do campeonato brasileiro em uma interminável consulta ao VAR e discussões entre o árbitro e os assistentes de vídeo.

São 4, 5, até 7 minutos de paralisações, que fazem com que o jogo não seja mais o bom e velho futebol que éramos acostumados a acompanhar.

As consequências são enormes.

Estamos provisoriamente sem público nos estádios, mas quando tivermos casas cheias, imaginem os gols sendo anulados o tempo todo.

A emoção de se vibrar com o gol está acabando.

Um lance de German Cano do Vasco, no jogo contra o Atlético – GO, em que a bola primeiro bateu na mão do defensor atleticano, para depois tocar na mão do argentino, que, ato contínuo chutou e fez o gol, foi inicialmente validado, mas anulado pelo VAR, sob a ótica de que “mão do atacante paralisa o lance” e do defensor é “interpretativo”. Mas se a bola só tocou na mão do atacante porque desviou na mão do defensor, não houve interferência na jogada pela mão do defensor? Não é pênalti?

Gabigol chutou uma bola que bateu na mão do defensor gremista Kanneman, que estava virado para trás. O lance seguiu e após consulta ao VAR, foi marcado pênalti. Mas a bola tocaria no atleta do mesmo jeito e ele estava de costas.

Ambos os lances, em meu entendimento, são interpretativos, e, portanto, não deveriam ter a influência do VAR. O sistema até poderia atuar, analisando se há critério de interpretação, e manter imediatamente a marcação de campo do árbitro.

Lances interpretativos estão sendo decididos pelo VAR, e, quase sempre, a dúvida permanece.

Certa vez, Juninho Pernambucano, quando ainda era comentarista do SporTV, contou uma história interessante em que se surpreendeu ao fazer os testes físicos, no seu retorno ao Vasco, em 2011, aos 36 anos, e verificou-se que ele, já perto da aposentadoria, era o melhor preparo físico do elenco.

Juninho foi atrás de respostas e percebeu que um dos motivos era o fato dos jogos no Brasil serem interrompidos por faltas o tempo todo (muitas não seriam marcadas na Europa) e a intensidade da partida era outra, muito menor do que no velho continente.

As consequências disso já são vistas há algum tempo, com atletas brasileiros em grau inferior de preparo físico aos europeus. Somando-se às interrupções do VAR, o atleta brasileiro está definitivamente ficando para trás.

Por fim, árbitros e assistentes estão “terceirizando” a responsabilidade, não apitam e paralisam mais lances, muitas vezes, óbvios.

Se fosse para dar a dinâmica na partida, ótimo, mas não.

O que temos são lances que haveriam de ser interrompidos por impedimentos ou outras irregularidades, e que não são paralisados, para, enfim, serem “conferidos” no VAR, e, normalmente, em uma longa conferência, certamente muito maior do que o aceitável.

No último fim de semana, lances que deram origem a gols anulados de Fortaleza, Goiás e Bahia, poderiam ter sido evitados, por uma atuação tranquila de assistentes.

 Impedimentos claros nos lances de gols do Bahia e do Goiás e uma mão no lance do gol do Fortaleza não foram paralisados e causaram um estrago enorme.

Solução?

Não vejo outro caminho a não ser darmos um passo atrás e limitar a atuação do VAR.

Impedimentos e lances de pênaltis e de gol podem ser conferidos no sistema. Agressões também.

Mas nada de procurar uma falta na origem da jogada, que o árbitro possivelmente deixou passar. Árbitros passam uma eternidade em frente a tela do VAR procurando uma agulha num palheiro, tentando identificar se o jogador foi tocado por uma ponta de pé no início da jogada, em que ele, árbitro, estava em frente ao lance e deixou seguir. Beira o ridículo.

Acho que seria melhor também, orientar árbitros e assistentes a assumirem mais os riscos e procurarem marcar, principalmente impedimentos “claros” de imediato, e sim, eu sei, nem sempre o “claro” para mim será para você e para outros, mesmo assim prefiro que o jogo prossiga com a marcação do árbitro de campo.

Impedimentos duvidosos continuam a acontecer mesmo com o VAR, pois é a mão humana que paralisa a imagem na tela, supondo que a bola saiu dos pés de um jogador, para a análise do lance, então, que se deixe a decisão do árbitro e do assistente de campo quando há incerteza de posição.

Não é perfeito, nunca será, o futebol possui regras interpretativas, e isso já é o início de qualquer discussão.

Mas o jogo jogado hoje no Brasil não é mais futebol.

São várias partidas jogadas dentro do mesmo jogo, sendo paralisadas o tempo todo, criando intermináveis intervalos e tempos técnicos, tornando o esporte mais emocionante do planeta, bem monótono.

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