Confissões de adolescente – o gol que eu não deixei o Pelé fazer

A morte de Pelé e a repetição dos seus grandes lances na Copa de 70 trouxeram de volta algumas recordações que estavam em cantões perdidos da minha memória.

A primeira é sobre o jogo mais dramático daquela Copa; a semifinal contra o Uruguai. Eu tinha dezoito anos, e a derrota de 50 ainda era recente (vinte anos, só). E um argumento que era sempre lançado em discussões sobre futebol era justamente o fato de que o Brasil, nas duas copas que vencera até então, nunca havia cruzado com argentinos ou uruguaios. Como o pior inimigo do Brasil é o brasileiro, antes do jogo só se falava em uma “amarelada” catastrófica diante da tradicional e mística camisa celeste.

Vale dizer que o Uruguai tinha um time muito bom. Mazurkiewicz, Ancheta, Forlan, Cubillas… só craque. Isto sem contar que o melhor deles, Pedro Rocha, se machucou no primeiro jogo da Copa e não voltou mais. Até hoje fico pensando em como teria sido o jogo com a participação dele. Nunca saberemos, é claro.

O Uruguai meteu um gol esquisito logo no comecinho e conseguiu trazer o jogo para o “modo catimba”, em que eles eram mestres. Felizmente, no último lance do primeiro tempo, Tostão achou um passe genial e Clodoaldo marcou seu único gol naquela Copa. Também fico pensando até hoje em como seria o segundo tempo com os uruguaios virando em vantagem. Teria uns quinze minutos de bola rolando. E olhe lá.

O resto todo mundo sabe, o Brasil virou para 3×1 e, no finalzinho do jogo, Pelé nos brindou com aquele lance magistral em que dribla o goleiro sem tocar na bola e chuta prá fora.

Sobre este lance, vou confessar uma culpa que carrego há mais de meio século; eu sequei.

A cada jogo do Brasil rolava um bolão no colégio. E eu, um dos mais fanáticos por futebol na turma, errava sempre. E era zoado, obviamente (o bullying só foi institucionalizado mais tarde). Eu não devia nem esquentar a cabeça com isto mas, para um adolescente espinhento, de óculos, que não comia ninguém, aquilo virou um pesadelo. E neste jogo eu cravei 3×1 Brasil. Assim, quando na sala de casa transformada em arquibancada todo mundo lamentou o gol que Pelé não fez, eu mal consegui disfarçar um sorriso malévolo; o gol não fez falta, mas ia estragar o meu bolão, ainda bem que não entrou. No dia seguinte fui um dos felizes acertadores do bolão, mas continuei o mesmo nerd da véspera. E Pelé continuou o melhor do mundo. Em bom português, grandes merdas o teu bolão. Vida que segue.

Enfim, nunca encontrei pessoalmente com o Rei e, agora que ele morreu, me sinto condenado ao sofrimento eterno. Este post é uma forma de autoflagelação. Mea culpa, mea máxima culpa…

Desculpe, Pelé. Tirei o teu gol… Mas prá você também não fez falta.

Glória eterna ao Rei!

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