As lições dos técnicos portugueses podem ir muito além do futebol. Só resta saber se nós vamos entender isto

Estamos no intervalo da semifinal da Copa do Mundo de 2014. O placar do Mineirão índica Alemanha 5×0 Brasil. Num eufórico vestiário alemão, o técnico Joachim Low fecha a cara e faz um breve discurso para seus comandados que pode ser traduzido mais ou menos assim; “Olha, estamos com o jogo na mão, mas estes caras já foram campeões do mundo cinco vezes e têm que ser respeitados, portanto vamos continuar competindo. O primeiro que tentar algum deboche eu tiro de campo e também não vai jogar a final. Fui claro?” Foi tão claro que os alemães ainda meteram mais dois gols. E a cereja do bolo foi a bronca do goleirão Neuer nos seus zagueiros que, preguiçosos, deixaram Oscar livre para fazer o nosso gol de honra, quase no fim do jogo.

Discurso semelhante adotou o português Jorge Jesus quando o seu Flamengo massacrou meu pobre Grêmio na semifinal da Libertadores de 2019, por 5×0. Diante de um Maracanã lotado os jogadores do Flamengo continuaram competindo, e o clima de respeito foi tão grande que nenhum jogador do Grêmio teve qualquer reação mais violenta, de forma que o jogo acabou sem as botinadas e agressões típicas de uma Libertadores.

Agora foi a vez do técnico Abel Ferreira, multicampeão pelo Palmeiras, que se indignou com os gritos de “Olé!” da sua própria torcida, debochando dos adversários corinthianos que estavam levando um 3×0 pela cara. Corajoso, Abel gesticulou pedindo para os torcedores pararem, pois tem informação suficiente para saber que este tipo de atitude antiesportiva é fortemente prejudicial para o futebol, como um todo.

“O importante não é vencer ou competir; é humilhar o perdedor” (Lema dos torcedores brasileiros)

Eu sempre digo que a melhor explicação para o abismo financeiro que separa o futebol sul-americano do europeu passa muito mais por fatores culturais do que por poder econômico. Mesmo com exceções (existem “hooligans” e “ultras” em quase todas as torcidas), o fato é que o torcedor comum europeu, antes de tudo, se comporta como um consumidor civilizado; ele vai assistir um espetáculo de futebol, e, perdendo ou ganhando, volta prá casa em paz e vida que segue. E este comportamento é estimulado pelos clubes e ligas; afinal, num ambiente de paz os negócios prosperam, todo mundo ganha dinheiro e o produto se torna cada vez melhor, com jogos mais emocionantes e mais gente interessada, gerando um ciclo virtuoso que favorece todos os envolvidos (eu quase falei “stakeholders”).

Já no Brasil, os bárbaros vão ao estádio para ver o seu time ganhar. Ninguém está preocupado com a qualidade do jogo; queremos ganhar a qualquer custo. De preferência com um gol roubado, nos últimos minutos do jogo (por isto os bárbaros resistem ao VAR e a toda e qualquer tecnologia que ajude a tornar o jogo mais justo). Porque gostamos, mesmo, é de ver os outros sofrendo. Tecnicamente isto se chama “falta de empatia”, um grande problema da sociedade brasileira. Na vida real, pode justificar até o fato do Brasil ser o país com maior número de mortes violentas no mundo. A terra do “Você sabe com quem está falando?”. Onde não há possibilidade de diálogo, a porrada come solta. Simples assim.

Enfim, sem entrar em detalhes, isto tudo cria um clima em torno do futebol no Brasil que, certamente, não é o que os portugueses estão acostumados a lidar na Europa. A partir daí consideramos normais coisas como torcida única, torcedores agredindo física e verbalmente os atletas no aeroporto ou no campo de treinos, confrontos de “organizadas” que resultam em mortes, enfim, toda uma criminalidade que, certamente, não é aceita em um ambiente civilizado como o europeu. Dentro de campo, isto se reflete em deboche por parte de quem está ganhando, respondido invariavelmente com inconformismo e violência por quem está perdendo.

Epílogo; será que a gente sai desta?

Entendo que, no pós-pandemia, o esporte pode voltar a ser um grande fator para a movimentação da economia no Brasil. Não é por outra coisa que muitos investidores estão olhando com bons olhos o nosso mercado, dispostos a botar muita grana para melhorar a qualidade dos nossos times.

O grande problema é que esta mentalidade tacanha, que, aparentemente, não só é aceita como muitas vezes incentivada nos bastidores pelos dirigentes do nosso futebol, vai na contramão do esporte como “business”. Afinal, em todo o jogo sempre haverá vencedores e perdedores. E é preciso botar limites firmes de respeito ao jogo por parte dos dois lados (o velho e bom “fair-play”). Na Europa eles já entenderam isto e já chegaram a um “outro patamar”, como diria o atacante e filósofo ocasional Bruno Henrique. Neste ponto, talvez muito mais do que na parte tática e técnica, os “professores” portugueses podem ser os mensageiros desta nova cultura para o futebol brasileiro.

Que a gente tenha inteligência para aprender e coragem para mudar.

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