As lições de Modric, o verdadeiro líder servidor

“Quem me dera, ao menos uma vez, que o mais simples fosse visto como o mais importante” (Renato Russo, em “Indios”)

O croata Luka Modric e o brasileiro Rodrygo são colegas no Real Madrid, talvez o clube mais vitorioso do mundo.

Modric já está lá há dez anos, enquanto Rodrygo é recém-chegado.

Na incrível virada do time contra o Chelsea, na semifinal da Champions League, o jovem e talentoso brasileiro marcou um gol decisivo, com assistência perfeita do veterano colega. Os dois trocaram elogios entusiasmados nas entrevistas.

A vida de Luka Modric dará um bom filme, algum dia. Criança e adolescente criado em plena da guerra de independência de seu país, com direito a ver o avô assassinado na porta de sua casa quando tinha seis anos, ele foi refugiado e aprendeu a jogar bola em ruas cobertas de destroços.

Sem ser um artista da bola, seu futebol-operário custou a ser reconhecido, e mesmo quando chegou ao grande Real Madrid, em 2013, foi considerado por boa parte da mídia espanhola “a pior contratação do ano”.

Com muita luta, Modric conquistou o papel de coadjuvante de luxo de estrelas como Cristiano Ronaldo, Benzema e até do emergente Rodrygo. Baixinho, feio, Modric usa o mesmo penteado desde que começou a jogar e nunca protagonizou romances ou festas badaladas. Vive para a família (esposa e três filhos), que, obviamente, tem todo o conforto que o dinheiro ganho com talento e honestidade pode dar. É descrito pelo lateral brasileiro Marcelo, um dos muitos amigos que fez na carreira, como um cara “discreto e super gente boa”.

O futebol é um fator importante para a autoestima da pequena Croácia, com seus menos de quatro milhões de habitantes. E Modric, acostumado a servir de “escada” para seus colegas ilustres, teve que assumir o papel de capitão, líder e referência técnica do time.

Missão dada, missão cumprida. Modric lidera um time feito à sua imagem e semelhança; não tem brilhantismos individuais, mas é guerreiro, obediente e não desiste nunca. Com este futebol que nem sempre é agradável de assistir, Modric e sua tropa conseguiram um vice-campeonato em 2018 e estão, novamente, nas semifinais este ano.

Ontem, Rodrygo e Modric estavam em campos opostos. E os dois lances capitais do jogo mostraram os seus estilos; os parafinados dançarinos brasileiros fizeram um gol de pura arte, uma obra-prima, mas acharam que o jogo estava resolvido. E, numa jogada trabalhada de contra-ataque, os incansáveis croatas alcançaram o empate que já parecia impossível explorando a preguiça macunaímica de um time que demorou demais para recompor após perder a bola no ataque.

Nos pênaltis, tenho quase certeza de que o treinamento contínuo deve ser a chave do sucesso dos croatas. E Modric estava lá, capitão e soldado, quando necessário, para converter o seu. Com seriedade e firmeza.

Mas a cena de maior beleza estava reservada para o último ato da tragedia (para nós, é claro). No momento em que era justamente festejado, o coração do guerreiro croata falou mais alto e ele abandonou a festa, para consolar o menino Rodrygo, que viu seu mundo desabar quando errou a primeira cobrança brasileira. Um gesto de um vencedor humilde, que aprendeu na vida que “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã” (Renato Russo, de novo!). Não sei o que ele falou, nem em que idioma, mas tenho certeza de que a tradução seria algo do tipo “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima, menino. Você tem bola prá isto”.

Pelo seu potencial técnico, Rodrygo tem condição de liderar a nova geração brasileira. Espero que nunca esqueça a lição que seu companheiro mais velho e calejado ensinou; o caminho do sucesso passa muito menos por dancinhas, lacração, dribles humilhantes e vida louca, do que por disciplina, trabalho, e, acima de tudo, humildade e respeito ao próximo.

Modric, o líder servidor, nos deu duas lições ontem; uma de bola e uma de vida.

Obrigado, Luka Modric.

Espero que a gente aprenda, algum dia.

Vida que segue.

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