Quando Murphy dita as regras…

O profissional infalível não existe. Todos cometemos erros, ocorre que algumas vezes temos a felicidade deles passarem desapercebidos ou serem ofuscados pelos acertos. Mesmo nas trajetórias consideradas impecáveis, encontraremos vários equívocos, muitos deles os propulsores do sucesso posterior. Mas existem  situações nas quais o fracasso é uma certeza. É quando Murphy, aquele da famigerada lei, dita as regras do jogo. Nesses momentos, normalmente as alternativas se restrigem ao péssimo e ao ruim. Muitas vezes celebramos a pessoa que está no lugar certo e na hora certa para aproveitar alguma oportunidade que o destino lhe apresenta. Mas, o reverso da mesma moeda é quando o sujeito se encontra no lugar errado e na hora errada. Ele vai ser dar mal, e não será por incompetência, nem por falta de habilidade. E com certeza não estará nas capas de revista.

É difícil para o protagonista da  ‘história de azar’ se dar conta de que está em uma enrascasda, isso normalmente acontece após o ‘evento’, quando uma análise detalhada do fiasco é realizada. O dom da sobriedade, para quem está no meio de um tiroteio, é para poucos. Felizmente, essa situação onde o fracasso é uma certeza é incomum. Normalmente, existem saídas;  às vezes difíceis – é verdade, que nos levam ao êxito. Eu particularmente nunca  tive uma experiência como essa (por enquanto), mas vivenciei casos muitos próximos.

No final do milênio passado, vi um ‘gringo’ assumir o negócio no Brasil. No seu ‘board of directors’, uma ‘fauna’ especialmente diversificada. Sem a malícia necessária para lidar com ela e com nenhum domínio do idioma, o desafio já seria difícil. Para tornar a missão impossível, um elemento adicional: seu chefe, um brasileiro, era amigo pessoal de alguns membros do comitê executivo, que não necessariamente nutriam simpatia por seu ‘supervisor estrangeiro’. Como era de se esperar, seu mandato foi um retumbante fracasso e durou muito pouco.  Difícil imaginar outro resultado que não fosse esse, pois a divergência de interesses dos seus diretos, o boicote interno velado e incisivo e a falta de apoio externo foram extremamente acentuados e implacáveis com o ‘nosso protagonista’. Anos depois, eu o reencontrei em outra posição, sem esses obstáculos intransponíveis. Saiu-se muito bem.

Há alguns anos, em ambiente europeu, participei de uma história dessas, apenas como coadjuvante. Um amigo meu liderava a área de produtos em um dos países-chave do banco em que trabalhava. Naquele tempo o CEO global exercia uma intensa pressão para que fosse lançado um produto de crédito em um canal de vendas alternativo, com a intenção de acelerar ao máximo o crescimento do volume de ativos. Na época, o ‘business local ‘ encontrava-se sem um chefe, de modo que a pressão dos ‘headquarters’ chegava ao país sem qualquer amortecimento.  Para resumir, o fato é que se não criasse o canal, e rápido, inevitavelmente meu amigo seria substituído. A chapa já fervia e tudo foi colocado em prática em tempo recorde, sem a infra-estrutura adequada. O ambiente não tolerava  atrasos. Três meses depois, os indicadores iniciais antecipavam o desastre. O canal de vendas alternativo foi fechado e as perdas com fraude e de crédito vieram colossais. Meu amigo caiu em descrédito e foi colocado na ‘geladeira’. Logo depois, saiu do banco.

Mas ele não estava sozinho. O sistema inteiro falhou. Áreas pares que gerenciavam risco e a área regional  (da qual eu era integrante) estavam cientes da vulnerabilidade do processo, mas ninguém levantou a mão para frear o ímpeto do CEO global. Naquele período de entusiasmo europeu pré-crise, fazê-lo significaria ser ‘reativo’. O correto, visto de hoje, seria preparar a infra-estrutura antes de se aventurar comercialmente. Isso levaria pelo menos uns seis meses adicionais, considerando a velocidade de execução nas grandes corporações, e seria um ‘atestado de óbito’ para quem defendesse tal posição no cenário da época.

Meses mais tarde, o CEO regional (que cuidava de todos os negócios europeus) confidenciou-me que aquele fracasso de dezenas de milhões de euros ele havia colocado na conta do seu chefe, pois o havia alertado, em vão, sobre o provável resultado da empreitada. Isso comprova mais uma vez que aquela era a crônica de uma morte anunciada.

E qual seriam as alternativas do protagonista da história? Tivesse resistido a uma implantação rápida, certamente ouviria algo do tipo: ‘Não quer fazer, tem quem faça!’. Como foi lá e fez…tornou-se o boi de piranha pelos resultados horrorosos que se sucederam. Estava no lugar errado, na hora errada. Revivendo a história cinco anos depois, posso dizer que aquilo era um beco sem saída. Mesmo se houvesse um desempenho superior em sua comunicação com ‘o sistema”, seu ‘causo’ era insolúvel. O melhor a fazer teria sido demitir- se, evitando assim a via crúcis e a própria ‘crucificação’;  mas como eu escrevi há pouco, quem está diretamente envolvido em uma ‘situação-encrenca’ como essa, raramente consegue fazer uma avaliação sana e imparcial do contexto. Provavelmente uma em cada cem pessoas tomaria a decisão de ‘puxar o carro’ e ver o circo pegar fogo à distância. A maioria insistiria até o final infeliz, como fez esse meu amigo, que hoje está bem…e separado da Europa por um oceano!

E o que devemos fazer quando Murphy bate à nossa porta e se identifica como o ‘senhor da lei’?

Difícil. Primeiro, precisamos aceitar a insolubilidade da situação. Isso requer uma postura reflexiva e desapaixonada sobre tudo que nos cerca. Se possível, é sempre bom compartilhar nossas histórias profissionais com bom ouvintes, alheios ao nosso ‘‘campo de batalha’. Eles podem nos oferecer uma  análise imparcial que muitas vezes não temos.

Finalmente, não devemos nutrir o medo de ‘cair fora’. Na maioria das vezes, a esperança de que haverá uma luz no fim do túnel arrefece o ímpeto de abandonar o barco. A insegurança de encarar o mar aberto também será sempre um obstáculo, mas se o destino nos oferece apenas alternativas ruins, não é nenhuma vergonha desafiá-lo, fugindo delas!

 

 

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