O profissional de Risco

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Há alguns anos, quem sabe uma década, as atividades inerentes ao Gerenciamento de Risco não eram muito conhecidas. Recordo-me de ter que explicar o que eu fazia a um ‘head hunter’ renomado, supostamente ligado ao que acontece no mercado. Hoje, uma situação dessas seria impossível. Com a crise financeira internacional detonada em 2008 por ‘imperícia’ (para evitar nomear o termo ‘irresponsabilidade’) na gestão de risco, em âmbito global, e os sucessivos sustos relacionados a ondas de inadimplência no mercado local, não há como ignorar a relevância, cada vez maior, de profissionais que atuam em instituições que concedem crédito ou movimentam altos volumes de transações financeiras.

Trata-se de uma área ampla e que proporciona grande potencial de desenvolvimento aos seus profissionais. Temas como estratégia de aquisição, gestão de portfolio, cobrança, prevenção à fraude, modelagem (analytics), informações gerenciais, risco operacional, compliance podem ser extensos e complexos e interferem diretamente no resultado da organização. Não há uma decisão sequer em Risco que não afete pelo menos duas linhas majoritárias no ‘P&L’: a de receita e a de perdas de crédito (ou PDD) ou despesas operacionais. Isso diferencia o perfil do profissional de Risco daquele que trabalha em Finanças, pois apesar de ambas as áreas exigirem habilidade analítica e aptidão com números, na primeira você toma decisões que interferem diretamente na capacidade da linha de frente em produzir novos negócios, ao passo que em Finanças, essa situação não é tão presente.

Por conta disso, em várias ocasiões eu reclamava com meus pares em RH sobre a decisão de agrupar os candidatos a ‘trainee’ na organização em que eu trabalhava em um mesmo conjunto, que incluía Risco e Finanças. Segundo a lógica deles, teriam o mesmo perfil. Em parte, pois se esperamos que o profissional de Finanças seja capaz de navegar em um mar de planilhas e relatórios e não tenha uma interlocução tão intensa com as áreas de negócio, do profissional de Risco é imprescindível que essa última ocorra a todo momento. Isso exige dele maior habilidade de comunicação.

São poucas as áreas que demandam ao mesmo tempo capacidade analítica extrema e resultados quantitativos, normalmente atrelados ao controle da inadimplência e PDD, mas indiretamente também vinculados ao retorno sobre capital. Isso torna a área de gestão de risco uma escola extraordinária para o desenvolvimento profissional. É importante frisar duas características inatas para quem deseja obter êxito ali, como se fossem pré-requisitos: amar a razão e odiar o ‘achismo’ incondicionalmente. Se o sujeito não tem essas duas, melhor buscar outra área para trabalhar.

Profissionais oriundos dos diversos segmentos das ciências exatas, administradores e economistas mais inclinados aos números formam a paisagem usual de uma área de Risco. À medida que eles amadurecem na carreira e ocupam posições gerenciais de maior responsabilidade, uma outra característica lhe será cobrada diariamente: a capacidade de conviver com a ambiguidade. No mundo das matrizes multidimensionais corporativas, o gestor de risco normalmente vai se deparar com a situação de ter pelo menos dois chefes com interesses muitas vezes divergentes. De um lado, o gestor de negócio, preocupado com os resultados imediatos do próximo trimestre e as tendências de volume. De outro, o gestor corporativo de risco, cobrado quase que exclusivamente pela linha da inadimplência /PDD. No meio, o pobre coitado que precisa acender uma vela para Deus e outra para o diabo. Nessa hora, a habilidade de comunicação e a aptidão para conciliação serão exigidas ao máximo. Lembrando que não há certo ou errado em termos de posicionamento diante dessas divergências conceituais, tudo depende das prioridades e da estratégia da organização, quase sempre não alinhadas entre todas as áreas.


O fato é que se fizermos a analogia ao futebol, a área de Risco seria como o meio de campo do time. Precisa simultâneamente servir o ataque e proteger a defesa. Há momentos do jogo que estará mais preocupada em defender. Em outros, atacar. Não pode abdicar de um ou outro, sob o risco de condenar o seu time à derrota. Alguns críticos muitas vezes a acusarão de ser excessivamente retranqueira, outros de privilegiar somente o ataque. Terá que conviver eternamente com insatisfeitos de toda ordem. Os resultados do time falarão por si, muito mais que as reclamações dos detratores. A seleção da Alemanha foi um exemplo de excelência na gestão de risco: seu meio de campo atacava e defendia com eficiência, ao mesmo tempo. Tinha a paciência para dar o ‘bote’ no momento correto e jamais descuidava da defesa. Eis o modelo mental a ser seguido por um profissional de risco, sempre.

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