A milenar capital do Reino Unido se prepara para receber as Olimpíadas em Julho. Será uma oportunidade para dirimir qualquer dúvida de que ela é, de fato, a capital do mundo. Londres não tem a imponência dos arranha-céus de Manhattan, nem a grandiosidade dos monumentos e edifícios da área central de Paris, muito menos o impacto das antiguidades a céu aberto de Roma, mas carrega consigo características que a tornam única no planeta. Cidade com maior quantidade de ligações internacionais do globo, centro financeiro da Europa, abrigo para mais de cem línguas falada em suas ruas, Londres é o mais cosmopolita centro urbano da Terra.
Muitos podem achar que esse título seria de Nova York, sem dúvida uma candidata à altura, por ser a maior cidade da maior economia do planeta. Mas, por incrível que pareça, Londres traz consigo mais diversidade que sua prima americana. Lá encontram-se africanos, muitos provenientes de ex-colônias britânicas, em quantidade bem maior que na América, e muçulmanos do oriente e do Magreb, em número impensável nos Estados Unidos. Me lembro de ter visto mais mulheres usando burka em Londres do que em Istambul. Indianos, chineses, japoneses, outros asiáticos, europeus e latinos poderão ser vistos em ambas metrópoles, e no agregado a capital britânica é mais diversa.
Outra nuance cultural também conta a favor de Londres: os britânicos historicamente se envolveram diretamente com todas as regiões do mundo, através do seu antigo Império colonial. Com isso, acostumaram-se a ser uma sociedade com interesse natural por questões externas, ao contrário dos americanos, muito voltados para si. Consequentemente, quando você está em Nova York, respira a big Apple, que se basta. Em contrapartida, quando você está em Londres, respira o mundo. Em que pese o aspecto até provinciano e um tanto antiquado da presença de uma família real e seus tablóides sensacionalistas, em Londres o sujeito se sente conectado com outros sítios. Seus diários e revistas econômicas (Financial Times e The Economist) estão entre os mais influentes do planeta, e não se restringem a comentar apenas notícias caseiras. Transitam com sobriedade e conhecimento por eventos, política e economia de todos os rincões da Terra. São um exemplo da genética cosmopolita da cidade.
Londres não tem praia, apesar de não estar muito distante do opaco litoral inglês, mas conta com os mais bem cuidados jardins, seja em seus incontáveis parques, ou nas casas dos seus moradores, obcecados por jardinagem desde os tempos da Rainha Vitória. As vastas áreas verdes espalhadas pela cidade conferem a ela um ar mais familiar, constrastando novamente com o aspecto mais agressivo de concreto e vidro nova-iorquino.
Mesmo mais longe das áreas centrais, seus bairros tendem a ser organizados e limpos. O padrão londrino de ‘townhouses’, sobrados com pouca área de frente e grande profundidade, espalhados em três ou quatro pisos, raramente com garagem e com um estilo relativamente homogêneo de arquitetura causa uma boa impressão a quem vê. Melhor, na minha opinião, que os congêneres bairros suburbanos de Paris, mais feios e sujos. Londres não é somente uma grande área monumental central. Seu metrô e linhas de trens urbanos, criados em 1885 e com mais de 1.200Km de extensão, atendem muito bem a população, que obviamente reclama (de boca cheia) de sua saturação nos horários de pico. Às vezes, você não consegue entrar no primeiro trem que aparece. Os insatisfeitos podiam passar uma temporada fazendo baldeação na praça da Sé às 8:00 da manhã, se tornariam menos críticos.
Disse Winston Churchill, considerado o maior britânico do século XX, ao ser criticado pelo teor extremamente polido da declaração de guerra do Reino Unido ao Japão, imediatamente após o ataque japonês a Pearl Harbour: ‘Quando você vai matar um homem, não custa nada ser educado com ele’. Essa frase emblemática traduz de maneira categórica o jeito inglês de ser: extremamente educado, mesmo que esteja lhe detestando naquele momento. Contido, dificilmente deixará transparecer suas emoções, o que nem sempre ajuda, mas torna a convicência diária bastante tranquila. As chances de você ouvir um desaforo inesperado em Londres é muito menor do que em Nova York, Paris, Roma ou Madrid. A famosa ‘fleuma’ britânica é facilmente perceptível no dia a dia. Surprenda-se ao ficar parado por mais de 20 minutos dentro de um vagão de metrô, com o serviço temporariamente suspenso, e não ouvir um ‘ai’, um murmúrio de reclamação. Fosse em qualquer outro lugar, o burburinho, e às vezes até a gritaria, prevaleceria. Não em Londres. Cidade que se acostumou a sucessivos e ininterruptos ataques aéreos alemães ao longo de 4 meses durante a Segunda grande guerra e continuava com a normalidade da vida durante o dia, parece que transmitiu o DNA da impassividade aos seus moradores, pelas décadas seguintes. Mesmo os de sangue quente proveniente de outros lugares acabam entrando no ritmo e se acalmando.
No Regent Park, a uns 10 minutos de carro do Hyde Park, encontra-se o zoológico. Mas o que é que o sujeito vai fazer em um zoológico em Londres? Bem, se houver criança na jogada, é uma boa sugestão. Eu perdi a conta de quantas vezes fui até lá. Outro parque muito simpático e em uma região estratégica é o Holland Park. Uma de suas saídas é na rua principal do famoso bairro de Kensigton, onde está a tradicionalíssima loja de departamentos Harrods, que vale ser visitada, nem que seja para comprar um cartão postal. Não muito longe, você encontra a rede americana Whole Foods, que aterrisou em Londres há poucos anos, e tem tudo a ver com o estilo da cidade e uma pequena, mas saborosa loja de chocolates chamada ‘Hotel Chocolat’. Se estiver com as pernas em ordem, pode sair dali em direção ao charmoso e sofisticado bairro de Chelsea. Do outro lado do Holland Park você estará próximo a um lugar chamado Nothing Hill, isso mesmo, aquele do filme com Julia Roberts e Hugh Grant. Aos domingos há uma famosíssima feira de tranqueiras por lá. Nada especial, mas tradicional.
Uma característica de Londres é que todos os bairros tem o seu ‘centrinho’. Você pode até medir a ‘qualidade’ do bairro pela variedade de opções encontradas neles’, em geral distribuídos por algumas quadras, ao longo de uma rua principal. Se houver tempo para explorar a Londres não turística, basta descer em algumas das dezenas de estações de metrô nas zonas 2 e 3 (mais distantes do centro) e explorar a região ao redor.
Não se pode deixar de citar a ‘Towers of London’, passeio obrigatório que vale pelo menos uma tarde inteira. Trata-se de fortaleza medieval, que já serviu como prisão e também residência para antigos reis. Hoje, é uma espécie de museu de distintas épocas, contendo desde parafernálias de cavaleiros medievais à jóias da Coroa (minha maior recordação desse lugar nem é o museu em si, mas um show do Seal no gramado, entre as torres). É um tipo de programa somente possível em uma cidade muito antiga, que preserva seu passado como estratégia para cuidar do futuro. Vale alugar um áudio para fazer a visita guiada. Fica à beira do Tâmisa, mas não muito próximo ao burburinho. Falando nele, o ‘Thamis River’ literalmente ‘serpenteia’ Londres, pois é bastante sinuoso em sua trajetória no centro da cidade. O Parlamento, a Abadia de Westminster, o Big Ben, London Eye, The ‘Globe Theatre’, a Tower Bridge, a Millenium Bridge, estão todos à uma distância que pode ser percorrida a pé, com o Tâmisa ao meio. Mais uma tarde usando a musculatura das pernas.
O clima é geralmente ruim. Não por que seja frio, mas por sua inconsistência. Acorda-se com sol, em 10 minutos você coloca uma roupa mais leve e quando sai, o tempo virou. O contrário também ocorre com frequência. Mas nem tudo podia ser perfeito. A escuridão do inverno também incomoda. Ficar uma semana com a noite chegando às 16 horas é bacana, mas durante três meses é cansativo. A compensação ocorre nos verões, quando a noite se esquece de dar as caras, e bate à nossa porta lá pelas 22 horas. De qualquer forma, prefiro um padrão mais homogêneo e menos elástico…
Seguramente Londres fará uma Olimpíada inesquecível. Os ingleses não sabem fazer festa, mas são impecáveis na organização de eventos. Se conseguir perpetuar os benefícios materializados pelos investimentos feitos para os jogos, se transformará em uma cidade ainda melhor. Merece, pois é uma das metrópoles mundiais que mais sentiu o impacto da crise financeira recente. Já se passaram três anos desde que eu parti, e ainda não consegui visitá-la outra vez. Talvez seja melhor assim, pois tornará o meu reencontro com a city londrina ainda mais especial – cedo ou tarde ele ocorrerá. Ela está no topo do meu ranking de cidades, é a primeira colocada no quesito ‘viver’ e uma das primeiras no quesito ‘visitar’. Os fãs de Paris que me desculpem, mas Londres é bem melhor. Todos deviam passar um tempo da vida na capital britânica, é a forma mais simples de experimentar o mundo em uma única cidade.