Em 2010, eu engrossava o coro dos que consideravam Júlio Cesar o melhor goleiro do mundo. Até aquela falha infeliz, o gatilho que acionou o destempero emocional brasileiro contra o Holanda e culminou com a nossa eliminação. Desde então passei a referir-me a ele como caçador de borboletas. Para mim, sua escalação como titular da seleção era temerária. Vai que ele resolve engolir mais um frango definitivo? Ontem, em uma dessas situações que o futebol só reserva aos goleiros, os mais injustiçados profissionais da bola, Julio Cesar salvou a pátria, calou minha boca e a de milhões e redimiu-se do seu erro inglório.
O Brasil começou com Fernandinho no lugar do irreconhecível Paulinho, na tentativa de modificar o desempenho do meio-campo, setor em que nos mostramos capengas na primeira fase. Começamos bem, pressionando a saída de bola chilena e dominando as ações. O gol aos 16 minutos apenas confirmou a superioridade brasileira. Mantendo a mesma toada, fatalmente repetiríamos o placar elástico dos confrontos contra o Chile em outras Copas. Eis então que acontece o imponderável, mas muito frequente no esporte bretão. Uma falha individual seguida de um apagão coletivo transformam um jogo aparentemente tranquilo em uma drama, quase uma tragédia.
Hulk, a buzanfa atômica, devolveu a bola como uma ‘lady’ ao receber o passe da linha lateral do Marcelo. O atacante chileno aproveitou-se do presente, roubou a bola e tocou para o lado. Sanchez, sem marcação, recebeu e colocou no canto. 1 a 1. Placar que persistiria ao final de duas horas de muita intensidade e pouca técnica.
Faltaram aos chilenos pernas e ambição para decidir o jogo na prorrogação. Jogaram por uma bola, que surgiu no minuto derradeiro, mas foi interceptada pela sempre gentil trave, que juntamente com Júlio Cesar, foi o destaque brasileiro da partida. O Chile foi melhor no segundo tempo e acovardou-se depois. Pareceu acomodado em decidir a vaga nos pênaltis, quem sabe apostando na pressão psicológica que seria muito maior sobre o Brasil. Não contavam com o fator Júlio Cesar. O time brasileiro mostrou ao menos que está bem preparado fisicamente. Foi superior ao Chile na prorrogação, mas faltou-lhe atitude de campeão (e isso me preocupa), não encurralou o adversário em seu campo, não foi incisivo. Flertamos com a tragédia.
Se o nosso goleiro ainda se enxergava com uma dívida consigo mesmo pelos acontecimentos de Port Elizabeth, a epopéia de ontem trouxe a sua redenção. JC já havia feito uma defesa dificílima no tempo normal e os dois pênaltis defendidos tiveram o seu mérito, principalmente o segundo, que foi até bem batido. Quatro anos de resiliência premiados pelo destino. Também não podemos deixar de reconhecer o Felipão, que enfrentou o ceticismo da maioria, e ‘bancou’ o JC. A aposta se mostrou correta.
Agora, no aspecto tático, o Felipão está devendo. A essa altura, na campanha de 2002, o Brasil já havia evoluído. Em 2014, após quatro partidas, seguimos sendo o time da esperança. Esperança de que na próxima partida vamos finalmente jogar um bom futebol. Mas isso não tem acontecido. O meio de campo não cria, e dependemos dos lampejos de Neymar. Quando ele estiver em um dia pouco inspirado, não há alternativas.
O grupo também parece estar sentindo a pressão de jogar em casa e ter a obrigação do título. O choro de alguns jogadores durante o jogo passa a impressão que os nervos não estão devidamente controlados. Ouvir o hino à capela é emocionante, jogar uma partida de 120 minutos é extenuante, mas espera-se de um atleta de alta performance que consiga assimilar esse turbilhão de emoções sem perder o foco, mantendo-se extremamente competitivo. Será que teríamos condições de virar um jogo em cinco minutos, sob um calor implacável de 32C, quando tudo parecesse estar perdido? A Holanda fez isso, tenho sérias dúvidas sobre essa mesma capacidade no Brasil de hoje.
Podemos até ganhar o título à moda italiana, aos trancos e barrancos. Nunca foi nosso estilo, mas sempre há uma primeira vez. Porém, mesmo jogando toscamente, o emocional precisa estar em ordem. Essa deve ser uma prioridade da comissão técnica.
Então, vamos as notas de ontem:
Júlio César: 10. Sem comentários.
Daniel Alves: 3. Sem comentários.
Thiago Silva: 6. Só não acho que ele está à altura de ser o capitão. Um líder que se preza não se distancia do grupo, nervosamente, como ele fez antes dos pênaltis.
David Luiz: 7. Marcou o gol, colaborou na frente, foi o primeiro a bater a série de pênaltis. Não se intimida.
Marcelo: 5.5. Discreto
Fernandinho: 5. Perdeu a chance de se firmar.
Ramires: 5. Perdeu a segunda chance de se firmar.
Luis Gustavo: 6.5. Como cão de guarda, efetivo.
Oscar: 3. Não vi.
William: Sem nota. Entrou nos últimos 15 minutos da prorrogação. Seu momento de protagonismo foi o pênalti perdido.
Hulk: 7.5. Lutador. Apesar do presente para os chilenos e do pênalti perdido.
Neymar: 5. Apesar do excesso de individualismo, incomodou a defesa chilena em alguns momentos.
Fred: 4. Apanhou da bola.
Jô: 3. Foi ignorado pela bola.
Felipão: 5. Será que ele está satisfeito?
Que venha a Colômbia, coletivamente superior ao Brasil, jogando o melhor futebol da Copa. Mas a esperança de que enfim vamos jogar bem, ainda não morreu. Espero apenas ser poupado de mais um decisão por pênaltis. Ninguém merece essa agonia.