Até que ponto a Inteligência Artificial é “inteligente”?

A expressão da moda é Inteligência Artificial e, como sempre acontece nestas ocasiões, vejo muita gente falando muita coisa sem conceituar adequadamente os termos. Este artigo (que deve ser o primeiro de uma série), busca ajudar a organizar estes conceitos.

Uma das definições da palavra “Inteligência” seria a capacidade de aprender. Entendendo-se por “Aprendizagem” o processo de adquirir e/ou desenvolver conhecimentos, competências, habilidades e outros. Neste sentido podemos falar em “máquinas inteligentes”, porque os fatos provam que elas, já há algum tempo, são realmente capazes de adquirir conhecimento e melhorar suas competências.

Abrindo um parêntese, vale lembrar como o velho e bom Confúcio conceituava o processo de aprendizagem. Ele dizia que há três formas de aprender; pela reflexão, pela observação e pelo sofrimento. E acrescentava que a última pode levar à morte, antes do aprendizado. É claro que ele se referia a seres humanos, jamais sonharia com a tecnologia de hoje.

Reflexão e observação são características humanas. Observar os erros e acertos dos outros e/ou refletir sobre determinado tema, certamente são formas de aprender. Por outro lado, há quem opte pela dor da experiência própria. Ela traz a vantagem da vivência (tenho as cicatrizes para provar). Talvez seja mesmo a mais eficiente, desde que a pessoa sobreviva, é claro. Não vou me aprofundar no tema. Voltemos às máquinas.

O jogo de xadrez poderia ser um bom exemplo sobre o progresso das máquinas “inteligentes”. Na minha longínqua adolescência, lá pelos anos 1960, eu era um entusiasmado praticante do jogo. Na época já se começava a falar em programar máquinas para jogar xadrez. Mas era consenso de que jamais uma máquina seria “inteligente” o bastante para vencer um bom jogador; afinal, as combinações possíveis no jogo eram “infinitas”, e só um bom cérebro humano seria capaz de processá-las e buscar as jogadas certas. Na nossa visão romântica, o jogo tinha arte e ciência. Os anos seguintes nos trariam algumas surpresas.

Contrariando as nossas expectativas, ainda no século XX (1996, para ser mais exato), o computador “Deep Blue”, da IBM, venceu uma partida contra o então campeão mundial Garry Kasparov, um dos melhores jogadores de todos os tempos. De lá para cá, a evolução das máquinas foi tão grande que hoje perdeu a graça; já se sabe que não há mente humana capaz de vencer uma máquina razoavelmente qualificada. Prá quem conhece o jogo, recomendo um vídeo mostrando uma partida “emocionante” entre duas máquinas, comentada por um ser humano bem-humorado (ver https://www.youtube.com/watch?v=Tmo_sxPd7bI ). Vale cada segundo.

A explicação mais simples para esta extraordinária reversão de expectativas é que a capacidade de processamento das máquinas aumentou tanto, que hoje já é possível colocar uma parcela significativa das combinações de um jogo de xadrez na “mente” de um bom computador. E ele vai aprendendo “pelo sofrimento”; tenta todas as jogadas possíveis, em cada situação, e vai separando as que “dão certo” das que “dão errado”.

Ou seja, ele perde milhões de vezes, mas como isto não o traumatiza nem diminui sua autoestima, acaba adquirindo a capacidade de escolher os melhores lances em cada situação. E guarda no seu “cérebro” uma quantidade de informações com a qual nenhum humano pode tentar competir.

Resumindo tudo, o fato é que a máquina aprendeu e venceu o ser humano de forma arrasadora. A próxima pergunta é; isto é preocupante?

Para tentar responder, começo com uma frase brincalhona cujo autor desconheço, que diz que “quanto mais uma pessoa joga xadrez, mais ela aumenta sua capacidade de… jogar xadrez”.

Em outras palavras, inteligência não se resume à capacidade de aprender; também pode ser conceituada como a capacidade de correlacionar conhecimentos de diversas áreas para resolver problemas mais complexos. E aí as máquinas ainda patinam. Por isto alguns pesquisadores conceituam que estamos ainda na era da “Narrow AI”, ou “IA estreita”; os computadores se aperfeiçoam muito em alguma atividade (como jogar xadrez, por exemplo), graças à sua capacidade de lidar com um número de informações gigantesco, mas ainda não conseguem usar o aprendizado para lidar com situações não programadas (que exigiriam criatividade, ou capacidade de inovar). Isto viria (ou virá) com a “General AI”, ou “IA generalizada”, quando esta barreira for vencida. E aí é que mora o perigo…

Mas esta parte fica para um novo artigo. A novela ainda tem muitos capítulos…

Sair da versão mobile